DEUS E O COMPASSO. Nesta pintura de William Blake, Deus utiliza um compasso para tornar real o desenho criativo.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

Sobre os personagens bíblicos: um livro fascinante


Boa parte das pessoas que lêem as Sagradas Escrituras diz, entre entediadas ou decepcionadas, que nada aproveitaram e nem entenderam coisa alguma. Deve-se lhes dar o desconto, já que preferem assumir a sua ignorância a declarar seus preconceitos. Ignorância tem jeito. Mas, contra o preconceito não há cura que se conheça, sobretudo quando constitui a mola mestra desse inconsciente, irracional além de inusitado rancor. Mas, a cada um o que mais lhe apraz e a todos o que melhor lhes apetece. Assim seja! E paz a todos de boa vontade. Boa vontade (frisamos de novo)! Para quebrar a rigidez da narração das escrituras, não há como reler comentários e apreciações literárias a respeito delas. Outrossim, a boa ficção sobre seus vultos e a ocorrência de eventos chamativos pode constituir um processo elementar de aprendizagem bem salutar e próprio para remanejar alguns preconceitos... Assim ao glosar uma excelente obra aparecida no mercado livreiro sobre notória matriarca, Sarai, estamos cumprindo dever de esclarecer e de divulgar ensinamentos, através de meios menos catequéticos e didáticos, e, com vistas às qualidades meramente literárias daqueles que tratam de temas tidos como canônicos, e que nem sempre são convidativos, com prazer e alegria e, sem dúvida, com a habilidade e a maestria de virtudes e talentos literários apreciáveis quando não encantadores.
Dessarte, a vida romanceada (Sara. HALTER, Marek. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004. Coleção: “As heroínas da Bíblia”) da grande mãe, Sara da coleção: “As heroínas da Bíblia”, autoria de Marek Halter, escritor nascido em Varsóvia, na Polônia, em 1936 e se fixou em Paris mais tarde, indo trabalhar num Kibutz em Israel, encaixa-se perfeitamente em uma ficção sobre personagens históricos, fácil de ler e profundamente emocionante que tanto dignifica o autor quanto à sua personagem. Com tal desenvoltura trata Marek Halter desse vulto bíblico, que se lhe pode imputar certa identificação não só sentimental, mas, sobretudo mística com ela. Há trechos de impressionante ligação entre o autor e os sentimentos descritos, a ponto de se dizer, que só mesmo o fruto de uma cultura tão identificada com a Bíblia seria capaz de tanta compreensão e participação. Um livro vale tanto pela limpidez de seu texto, quanto pela felicidade na abordagem do tema. Sem pieguismo, e sem excesso de reverência, soube o autor encarnar o drama de uma mulher sofrida, e o fez sem beatices e outras fraquezas, quando o seu texto ganha, então, dignidade e reverência, firmeza e propósito de quem não só lê ou escreve sobre uma das mais dignas heroínas daqueles dias imemoriais, mas de quem é bafejado pela fé a qual ela mesma evidenciou no seu drama. Dizem os kabalistas que, quando Deus quer abandonar uma criatura, toma-lhe o sentimento de fé. É deveras um fato! Pois sem fé, a vida é um deserto em céu aberto.
A heroína em apreço é a própria fé, translúcida, inefável, absolutamente, límpida e majestática. Mas, sofrida e vívida, pois toda fé é fogo ardente que queima, e destrói, consome e prepara o ser para a Eternidade. No entanto, notável é como o autor sem a pretensão de definir o que lhe parece ser a fé, consegue auscultá-la, senti-la e descrevê-la de modo tão perfeito e peremptório. Só mesmo quem possa ter sido criado em pleno convívio de fé, filho que é de família de judeus a todo o momento testado em suas mais entranhadas convicções e de permanente convivência com as escrituras, só mesmo através deste aprendizado seria capaz de recriar em ficção um personagem de tanta firmeza e beleza, capaz de nos levar a transes emocionais tão intensos.
Não deixem de ler, pois não é toda hora que se consegue experenciar com tamanha realidade os sofrimentos que formaram a espiritualidade dessas criaturas bafejadas pelo amor do Criador, “Kadosh Baruck Hu” (Louvado seja!).
IHVH, o deus de Abraão, senhor das almas, as quais ELE jamais abandona, mas que com elas convive, em as ensinado e com elas também aprendendo, pois, como demonstra a KBL, ELE precisa delas, tanto quanto elas DELE! Essa interatividade e ressonância se dão por amor. O amor exige cumplicidade. Sem o quê não há fé nem afeto. A grandeza do misticismo hebraico, ao contrário de outros mitos, é que não traz a divindade ao nível do homem, mas, este ao nível da divindade. Há de o ser humano fazer a semelhança com a imagem da qual foi feito, e só assim realizará a obra para a qual foi destinado. Assim seja!

Paz Plena.

Ozampin – dez. 2012.

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