DEUS E O COMPASSO. Nesta pintura de William Blake, Deus utiliza um compasso para tornar real o desenho criativo.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

LUMINOSIDADES – anotando ensinamentos de ABRAHAM JOSUA HESCHEL – I

Rabbi Abraham Joshua Heschel, second from right, participating in the civil rights march from Selma to MontgomeryAlabama, on March 21, 1965.
Second row: Visible behind (and between) Martin Luther King, Jr. and Ralph Bunche is Rabbi Maurice Davis.
Fonte: Wikipedia





“A militância de Heschel é o grande testemunho de que a solidariedade é profética e que chegamos ao outro através de Deus, assim como chegamos a Deus através dos outros.” F. Leopoldo e Silva.

Heschel, o filósofo ativista demonstra-nos que é D’us que nos busca...

* O D’us Bíblico.
A visão do profeta, e o caráter distintivo da religião bíblica, devem-se à concepção ética da personalidade de Deus. O Deus dos Profetas é exemplificado por Sua vontade moral, que exige e comanda, promete e ameaça, que governa de maneira absoluta e livre os homens e a natureza. Esta concepção de Deus desenvolveu-se aos poucos na história da religião israelita (...) O seu traço decisivo é que não se trata de um monoteísmo baseado em uma ideia abstrata de Deus, porém em um divino poder de vontade que governa como realidade viva a história. Obs: voluntarismo histórico, peculiar ao pensamento cabalístico.

* Da religião
(...) o problema que deve ser discutido primeiro não é a crença, o ritual ou a experiência religiosa, mas a origem de todos estes fenômenos, a situação total do homem, não como ele experimenta o sobrenatural, mas por que ele o experimenta e o aceita.
* A crítica da religião deve estender-se não somente  a seus fundamentos básicos, mas a todas suas afirmações. A religião é passível de distorção de fora e de corrupção de dentro.
* ...a crítica, o repto, as dúvidas do incrédulo podem...ser mais úteis à integridade da fé do que a simples confiança na fé de alguém.

* Do pensamento grego
Neste tópico, aproveitamos alguns textos de Glória Hazan esclarecendo o pensamento do autor (Heschel) tratado no seu livro Filosofia do Judaísmo em Abraham Joshua Heschel e, outros literalmente do filósofo, uma vez que a divergência entre o pensamento grego e o judaico talvez seja a razão da crise do mundo ocidental. Diz a autora: “As maiores premissas da filosofia ocidental são derivadas do modo de pensar grego. Heschel assinala os aspectos fundamentais das premissas que estão na base do pensamento judaico. Aponta a unilateralidade da percepção emq eu incorremos ao não discriminar os aspectos diferenciais de formas de concepção do homem.”
Discorrendo sobre as diferenças do pensamento grego e judaico ele afirma que o primeiro se preocupa com o que pensa o homem e que para o segundo, a questão mais importante é o homem – ele próprio como insight.
Os pensadores gregos trataram de compreender o homem como parte do universo e, segundo Heschel, na perspectiva judaica, a intenção dos profetas foi concebê-lo como parceiro de Deus. (voltaremos a esse assunto) Atenção: ver a concepção do homem como cocriador, na Kabbalah.

* Do homem bíblico
As categorias que o homem bíblico imaginou a respeito de Deus, do homem e do mundo são tão diferentes das pressuposições das metafísicas, sobre as quais a maior parte da filosofia ocidental está baseada, que certos insights, que são significativos dentro do pensamento bíblico, parecem ser sem significado algum para o pensamento grego. (...)

* Da filosofia e da religião
A religião, como veremos, vai além da filosofia, e a tarefa da filosofia é tornar a mente submissa ao pensamento; criar em nós o discernimento a respeito da razão pela qual os problemas da religião não podem ser apreendidos em termos de ciência; deixar-nos perceber que religião tem seu próprio escopo, perspectiva e meta, expor-nos à majestade e ao mistério, na presença do qual a mente não esteja insensível ao que transcende a mente.

* Da criação, conforme a Bíblia
A Bíblia concebe a criação como um ato de Deus e nesse sentido, a criação é uma ideia que transcende a da causalidade, revelando o Criador...tratando do ser como criação, então a preocupação não é com a ontologia ou com a metafísica mas com a história e a metahistória, com o tempo mais do que com o espaço.
(Continuaremos em breve)

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

FATOS E FEITOS – II

A Mishná 12, que antes citamos, frisa que todo aquele cujas obras excedem sua sabedoria, sua sabedoria subsiste, no entanto, ao contrário, sua sabedoria não subsiste. A propósito o autor Irving M. Bunim, em sua obra A ÉTICA DO SINAI (Sêfer, Ed), destaca a divergência entre a concepção judaica da sabedoria da filosofia grega e cita Aristóteles para quem a função do ser humano, sua virtude mais elevada e seu propósito final são a vida contemplativa e o exercício de seu raciocínio. Ora, o Rabi Chanina ben Dossa bate frontalmente com esta tese aristotélica, em ratificando que para o entendimento talmúdico, sabedoria e conhecimento são apenas meios para se atingir o fim, já que o Talmud (T.B.Kidushim, 40) alega que sublime é o estudo porque conduz à ação. Deveras, para FAZER não é suficiente tão só boas intenções e pensamentos, melhores possam ser, mister é FAZER correto e bom, daí porque boas obras têm de exceder a sabedoria.

O filósofo medieval Rabi Iehudá Halevi explicava então que a filosofia grega é apenas uma floração que não produz frutos. (Rabi Iehudá Halevi, “O Luzari”). Como toda essa civilização ocidental é marcadamente aristotélica não é difícil inferir-se que dessa filosofia colhemos os frutos, estes da depredação do planeta !!

Para não falarmos de outros, sem antes olharmos para o nosso rabo, basta observarmos – e com qual tristeza o registramos – os estragos que o Estado Brasileiro vem cometendo na sua obra secular de devastação inclemente de suas florestas.  Um estado tipicamente positivista com a sua obra prima, esta República, filha dileta dessa filosofia pragmática, empenhada na cabal destruição total de nossas reservas, e, ultimamente agindo sob a cínica máscara do desenvolvimentismo e progresso via agronegócios !

A Sabedoria é essencial para a realização de obras que dignifiquem a ação humana tanto quanto o conhecimento. Mas fazer pelo fazer, é criminoso, é um atentado. É mister saber fazer, que é fazer apenas o bom e o correto. E para o bem comum!

Sábios já assinalavam em sua ira: - Que sejam carcomidos os ossos dos mechavê Ritsin; na tradução do aramaico: mechavê ritsin são aqueles que sempre estimam e calculam objetivos práticos e propósitos finais.

Toda sabedoria que não se transforme em realizações para o bem comum perece junto com seus autores e usuários e cai no esquecimento, não sem deixar enormes danos ao mundo. Este mundo que tem de ser o palco para a realização e a criatividade da sabedoria e que é tão só o meio para se atingir o fim, as realizações de feitos corretos e bons, que contribuam para a paz e tranqüilidade da humanidade e não só para seu fausto e iniqüidade !

O homem deve preocupar-se e sentir-se de fato comprometido com o outro ser humano. E com o mundo do qual usufrui a pletora da vida.

Para Heschel ,este homem moderno esqueceu-se de que representa a imagem divina, que é um símbolo; e esse esquecimento torna extremamente difícil ao homem encontrar o sentido para a sua própria existência. A coisificação da existência humana banalizou o sentido da vida do ser humano e da sua imagem, em substituindo a simbólica da humanidade e da sua predestinação pela do progresso sem o homem, e até contra o homem, já pelo luxo, o fausto e a tecnologia; quando o objetivo da existência passou a ser o de mera satisfação das necessidades que o luxo, o fausto e a comodidade venha a exigir em benefício de uma minoria locupletada.

Nunca se afastem de ti a misericórdia e a verdade, prende-as ao teu pescoço, escreve-as na mesa do teu coração, e acharás graça e boa opinião diante de D’us e dos homens. (Provérbios 43:3-4) Salomão. Ah, Salomão !

Paz Plena

Ozâmpin 

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

FATOS E FEITOS – I

Para a Kabbalah este mundo – assiático – em que encarnamos é próprio da ação. É o do FAZER.
Toda a sabedoria de que somos dotados é para que FAÇAMOS, mas com sabedoria. Aqui estamos para que com criatividade e atividade efetivamente venhamos agir e participar dos feitos que nos cabe como cocriadores e coautores que somos do mundo criado. Nem estamos prontos, nem a criação ela própria não terminou, apenas continuamos no afã de participarmos dessa Grande Obra e de crescermos com ela.
Para tanto, é mister que além da Sabedoria de que dispomos, mercê da Providencia Divina, possamos compreender do que seja, e de ter conhecimento para ensejá-la.
A Árvore nos ensina que a Sabedoria vem de Hochmah; Compreensão de Binah e de Da’at – a não séfira – o Conhecimento. “Com a sabedoria se constrói uma casa, e com a compreensão ela se firma (e com conhecimento enchem-se os quartos).” (Prov. 24:3) E para que a obra seja perfeita façâmo-la com harmonia e beleza (Tiferet). Assim é que a Árvore nos revela de como os mundos superiores orientam e decretam nossa ação. Ação que viabiliza fatos e feitos que se dão em Malchut, o Reino.
Toda ação, com efeito, carece de intenção e de estudos. Para a Kabbalah estudar é necessário para que a ação seja a que é preciso fazer. Para que a ação se transforme em feitos carece de estudos, de intenção e de métodos. A Kabbalah é uma metodologia. Intenção e estudos reportam-se à letra AYIN (valor que se lê dezesseis e soma-se como setenta), ayin é a quarta potência de DOIS (DOIS=BET, que é sabedoria) e AYIN quer dizer atenção, intenção, estudos e olho vivo! É o caminho que exige a Harmonia de Tiferet, por isso, liga Tiferet a Hod. Hod, mente concreta, é que dá forma a nossas obras, boas ou más.
O rabi Chanina ben Dossa, já ensinava: Todo  aquele cujas obras excedem sua Sabedoria, sua sabedoria subsiste, mas todo aquele cuja sabedoria excede suas obras, sua sabedoria não subsiste. Claro que se prioriza os feitos! Estamos aqui para FAZER. Que seja correto o que fazemos e seja bom. Toda essa concepção peculiar ao pensamento cabalístico aponta para a importância da ação. Ninguém encarna para pastar. Há algo a FAZER. Mas é preciso que a esse FAZER se lhe empreste a intenção do correto e do bom. Agir, mas não só agir pelo agir, mas com a intenção de agir para o bem. Pois nos foi dado a glória e o poder de completarmos a criação, na qualidade de copartícipes e de coautores.
Malchut tem como virtude a discriminação que se revela pela necessidade da “preservação e conservação da obra do Criador” ou seja, de cuidarmos do Reino. Acaso essa civilização tão ciosa de si, esteja fazendo o correto e o bom? A destruição predatória do meio ambiente e da natureza é algo que dignifique a ação humana? Acaso estamos fazendo o quê com nossos feitos? Os fatos revelam que não estamos fazendo nem o bom nem o correto.
O filósofo Abraham Joshua Heschel dia que em uma sociedade democrática, alguns são culpados, todos são responsáveis, no que diz respeito à responsabilização do indivíduo pelo coletivo.
Aonde nos incluímos?
Vejamos na próxima postagem.
Ozam 

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

LUMINOSIDADES

De Aryeh Kaplan em seus comentários ao Bahir, uma obra, como já vimos, canônica para a Kabbalah, colhemos: A Sabedoria é o canal da Essência de D’us e, portanto, sustenta todas as coisas. (Bahir, p. 129)

A Sabedoria, no caso, é referência à Sephirah Hochmah, tida como Sabedoria (Anterior), Mistério, e, Inconsciência, na terminologia antiga.

Não havia ainda estabelecido o novo conceito de “Consciência”, no estudo moderno da gnoseologia. Antes, quando se queria referir àquilo que hoje chamamos de “Consciência”, dizia-se “pensamento”, “inteligência”, “sabedoria”, “sabedoria anterior”, MENTE UNA ou MENTE, cujo sentido não raro correspondia ao que hoje (a partir de novos estudos sobre o assunto, década de 1950) chamamos de “Consciência”.

Dessarte, podemos dizer: A Consciência é o canal da Essência de D’us, e, portanto, sustenta todas as coisas. Ou seja, a Consciência é a Essência de D’us que a tudo permeia e a tudo envolve. Parodiando R.A.S. de Lubicz:

O Universo nada mais é que consciência, e em todas as suas manifestaões revela mais que uma evolução da consciência da origem ao fim. A Essência de D’us que sustenta todas as coisas!!

Ozam

terça-feira, 1 de novembro de 2011

COMENTANDO IV – O MODELO MÁGICO TALISMÂNICO

Reportamo-nos aos três modelos de pensamentos cabalísticos abordados pelo tratadista Moshe Idel (o Teúrgico – teosófico, o Extático e, agora, o terceiro que iremos comentar, o Mágico Talismânico), vale anotar que não só foram importantes no que aportaram, como foram reveladoras para o entendimento mesmo de muitas outras questões centrais da Kabbalah, permitindo novas interpretações dessas questões,  conforme a lógica própria de cada um desses modelos.
Moshe Idel parte da hipótese de trabalho que diferentes modelos especulativos acabam por informar o pensamento, a práxis e até, também, os escritos de vários mestres cabalistas e hassídicos.

O terceiro modelo encontra-se pois, em tantos outros escritos pertencentes aos dois primeiros, já que a magia judaica sendo desde antes um velho e tradicional assunto da sabedoria judaica se apresentava sob várias formas, desde a Antiguidade e, se por um lado, alguns autores tivessem se apropriado de seus elementos, outros, os repeliram. Como tal, registra-se dois tipos de Kabbalah, a Prática (Qabalá Maasit) e a Especulativa (Qabalá Iunit).


A Mágica vai se evidenciar por volta do fim do século XV, embora haja diferentes maneiras de explicar como a magia possa atuar. Por exemplo, na Idade Média, então sob a influência de filosofias dominantes entre os árabes supunha-se que “apegando-se a fonte espiritual que governa este mundo, sobretudo a alma universal, o místico, ou o filósofo pode analisar os acontecimentos do mundo sublunar.”


O ponto de vista dominante tanto na magia grega, quanto na árabe e na judaica é de que era possível atrair para baixo as forças espirituais dos corpos celestiais.
Na Kabbalah do séc. XV a língua hebraica era ela própria uma técnica para puxar para baixo essas forças espirituais. Também, atribuía-se aos sefírotes poderes espirituais próprios. 
Dessarte, a estrutura astrológica foi trazida por projeção para a teosófica, mais elevada, tornando esse tipo de magia mais aceitável. Daí a expressão ruhaniut há-Sefirot, como força espiritual das Sefirot. Essa elevação do termo ruhaniut, antes com significação apenas de magia ao grau mais alto da pluralidade da divina essência, fez com que o modelo mágico-talismânico apresentasse distintos, o teológico, na realidade o plano teosófico suplantou o astrológico celestial, quando práticas mágicas deram lugar a ritos judaicos e, particularmente, ao uso ritualístico da língua hebraica. 
Embora o termo ruhaniut preservara traços de sua origem mágica, vai designar, doravante, domínio espiritual sem seus significados mágicos-astrais.
Para Cordovero, por exemplo, o sistema sefirótico vai definitivamente prestar-se como função instrumental para a realização da atividade mágica. 
Pode-se considerar que o cabalista sabia da semelhança, entre o tipo de Kabbalah que propunha, com as práticas mágicas pagãs. Além do que ele (de acordo com o que ensinava Cordovero) considerava o conhecimento da preparação de talismãs como uma gnose revelada, a servir mesmo ao conhecimento da Kabbalah.
Dessarte, a atividade cabalística era sobrenatural, não porque se intrometia nas ocorrências dos eventos, mas antes por que sua ordenação era de uma ordem superior.
Como tal, então, o corpo humano seria o lócus em que o divino influxo é recebido e torna-se um vaso de influxo descendente. O cabalista que se entregasse à prática da concentração e da pronunciação das cominações de letras era tido como um tipo de religioso justo.
Moshe Idel comenta assim:
Um importante desenvolvimento que se processa no pensamento de Cordovero com produndas repercussões ulteriores, é a visão do justo humano, o Tzadih, cuja maneira de funcionar lembra  a da nossa sefirá, Iesod, transmitindo o influxo que recebe das partes superiores para as inferiores nos reinos sefiróticos. Agora, o influxo é recebido do reino sefirótico, ao qual o Justo está apegado, e é transmitido aos outros homens.
A importância desses três modelos não só é notória para a compreensão de que venham a ser, mas por ajudarem ao entendimento mesmo do processus do pensamento cabalístico.
No estudo da Kabbalah é mister estar atento a todos detalhes por que é com eles que se pode ter uma noção completa dessa técnica inconsútil que é a Kabbalah, como cosmo-visão.


Ozam
Outubro/2011