Boa parte das pessoas que lêem as
Sagradas Escrituras diz, entre entediadas ou decepcionadas, que nada
aproveitaram e nem entenderam coisa alguma. Deve-se lhes dar o desconto, já que
preferem assumir a sua ignorância a declarar seus preconceitos. Ignorância tem
jeito. Mas, contra o preconceito não há cura que se conheça, sobretudo quando
constitui a mola mestra desse inconsciente, irracional além de inusitado rancor.
Mas, a cada um o que mais lhe apraz e a todos o que melhor lhes apetece. Assim
seja! E paz a todos de boa vontade. Boa vontade (frisamos de novo)! Para
quebrar a rigidez da narração das escrituras, não há como reler comentários e
apreciações literárias a respeito delas. Outrossim, a boa ficção sobre seus
vultos e a ocorrência de eventos chamativos pode constituir um processo
elementar de aprendizagem bem salutar e próprio para remanejar alguns
preconceitos... Assim ao glosar uma excelente obra aparecida no mercado
livreiro sobre notória matriarca, Sarai, estamos cumprindo dever de esclarecer
e de divulgar ensinamentos, através de meios menos catequéticos e didáticos, e,
com vistas às qualidades meramente literárias daqueles que tratam de temas
tidos como canônicos, e que nem sempre são convidativos, com prazer e alegria
e, sem dúvida, com a habilidade e a maestria de virtudes e talentos literários
apreciáveis quando não encantadores.
Dessarte,
a vida romanceada (Sara. HALTER, Marek. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004. Coleção:
“As heroínas da Bíblia”) da grande mãe, Sara da coleção: “As heroínas da
Bíblia”, autoria de Marek Halter, escritor nascido em Varsóvia, na Polônia, em
1936 e se fixou em Paris mais tarde, indo trabalhar num Kibutz em Israel, encaixa-se
perfeitamente em uma ficção sobre personagens históricos, fácil de ler e
profundamente emocionante que tanto dignifica o autor quanto à sua personagem.
Com tal desenvoltura trata Marek Halter desse vulto bíblico, que se lhe pode
imputar certa identificação não só sentimental, mas, sobretudo mística com ela.
Há trechos de impressionante ligação entre o autor e os sentimentos descritos,
a ponto de se dizer, que só mesmo o fruto de uma cultura tão identificada com a
Bíblia seria capaz de tanta compreensão e participação. Um livro vale tanto
pela limpidez de seu texto, quanto pela felicidade na abordagem do tema. Sem
pieguismo, e sem excesso de reverência, soube o autor encarnar o drama de uma
mulher sofrida, e o fez sem beatices e outras fraquezas, quando o seu texto
ganha, então, dignidade e reverência, firmeza e propósito de quem não só lê ou
escreve sobre uma das mais dignas heroínas daqueles dias imemoriais, mas de
quem é bafejado pela fé a qual ela mesma evidenciou no seu drama. Dizem os
kabalistas que, quando Deus quer abandonar uma criatura, toma-lhe o sentimento
de fé. É deveras um fato! Pois sem fé, a vida é um deserto em céu aberto.
A
heroína em apreço é a própria fé, translúcida, inefável, absolutamente, límpida
e majestática. Mas, sofrida e vívida, pois toda fé é fogo ardente que queima, e
destrói, consome e prepara o ser para a Eternidade.
No entanto, notável é como o autor sem a pretensão de definir o que lhe parece
ser a fé, consegue auscultá-la, senti-la e descrevê-la de modo tão perfeito e
peremptório. Só mesmo quem possa ter sido criado em pleno convívio de fé, filho
que é de família de judeus a todo o momento testado em suas mais entranhadas convicções
e de permanente convivência com as escrituras, só mesmo através deste
aprendizado seria capaz de recriar em ficção um personagem de tanta firmeza e
beleza, capaz de nos levar a transes emocionais tão intensos.
Não
deixem de ler, pois não é toda hora que se consegue experenciar com tamanha
realidade os sofrimentos que formaram a espiritualidade dessas criaturas
bafejadas pelo amor do Criador, “Kadosh Baruck Hu” (Louvado seja!).
IHVH, o deus de Abraão, senhor das
almas, as quais ELE jamais abandona,
mas que com elas convive, em as ensinado e com elas também aprendendo, pois,
como demonstra a KBL, ELE precisa delas, tanto quanto elas DELE! Essa interatividade e ressonância
se dão por amor. O amor exige cumplicidade. Sem o quê não há fé nem afeto. A
grandeza do misticismo hebraico, ao contrário de outros mitos, é que não traz a
divindade ao nível do homem, mas, este ao nível da divindade. Há de o ser
humano fazer a semelhança com a imagem da qual foi feito, e só assim realizará
a obra para a qual foi destinado. Assim seja!
Paz Plena.
Ozampin
– dez. 2012.